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In Hoc Anno Domini

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Quando Saulo de Tarso partiu, na sua viagem a Damasco, todo o mundo conhecido estava em cativeiro. Havia um estado, e era Roma. Havia um mestre para tudo, e ele era Tibério César.

Por toda a parte havia ordem civil, pois o braço da lei romana era longo. Por toda a parte havia estabilidade, no governo e na sociedade, pois os centuriões asseguravam que assim fosse.

Contudo, por todo o lado havia também algo mais. Havia opressão – para aqueles que não eram amigos de Tibério César. Havia o colector de impostos a tirar o grão dos campos e o linho do fuso para alimentar as legiões, ou encher o faminto tesouro que alimentava a generosidade do divino César ante o povo. Havia o impressor a encontrar recrutas para os circos. Havia carrascos a silenciar aqueles que o Imperador proscrevera. Para que servia um homem senão para servir a César?

Havia a perseguição daqueles que ousavam pensar de forma diferente, que ouviam estranhas vozes ou liam estranhos manuscritos. Havia escravização de homens cujas tribos não vinham de Roma e desdém por quem não possuísse um vislumbre familiar. Acima de tudo, havia em toda a parte um desprezo pela vida humana. O que era, para os fortes, um homem a mais ou a menos num mundo repleto de gente?

Então, de repente, houve uma luz no mundo e um homem da Galileia que dizia: Dai a César as coisas que são de César e a Deus as coisas que são de Deus.

E a voz da Galileia, que desafiaria César, ofereceu um novo Reino em que cada homem podia caminhar de pé e curvar-se a ninguém senão ante o seu Deus. Na medida em que o fizestes a um destes meus irmãos mais pequenos, a mim o fizestes. E ele enviou este evangelho do Reino do Homem até aos confins da terra.

A luz veio ao mundo e os homens que viviam na escuridão tiveram medo, e tentaram fechar uma cortina para que o homem ainda acreditasse que a salvação estava nos seus líderes.

Mas aconteceu, por algum tempo e em diversos lugares, que a verdade libertou o homem, embora os homens das trevas se tenham ofendido e tenham tentado apagar a luz. A voz disse: Apressai-vos. Andai enquanto tendes a luz, para que as trevas não venham sobre vós, pois aquele que anda nas trevas não sabe para onde vai.

Ao longo do caminho para Damasco a luz brilhava intensamente. Mas, depois, também Paulo de Tarso teve muito medo. Temia que outros Césares, outros profetas, pudessem um dia persuadir os homens de que o homem nada era senão um servo para eles, de forma que os homens abdicassem do seu direito de nascença, outorgado por Deus, em troca de ninharias e não mais andar em liberdade.

Só então poderiam as trevas instalar-se novamente sobre as terras e haver uma queima de livros, para que os homens pensassem apenas no que deveriam comer e no que deveriam vestir, e prestassem exclusiva atenção aos novos Césares e aos falsos profetas. Deste modo, talvez sucedesse que os homens não olhassem para cima para ver sequer uma estrela de Inverno no Oriente, e uma vez mais, não haveria qualquer luz na escuridão.

E assim Paulo, o apóstolo do Filho do Homem, proferiu aos seus irmãos, os Gálatas, as palavras que ele nos faria recordar mais tarde em cada um dos anos do seu Senhor:

Permanecei, pois, firmes na liberdade com que Cristo nos libertou e não vos envolvais novamente com o jugo da escravidão.

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